nullLivro, segredo e infâmia parece investigar algumas formas do ínfimo, encobertas, disfarçadas, que programam uma fenda no ler-olhar e parecem provocar uma outra dimensão do ler-olhar. Sejam as criaturas mostradas na obra de Evandro Affonso Ferreira, absolutas insignificâncias que ganham contorno de vida e condição de torção narrativa pelo simples gesto de ser; seja no projeto de João Cabral de Melo Neto, em seu poema "Os três mal-amados", verdadeiro poema-abandono, ou num outro projeto, que é o contrário disso, pelo fôlego, tamanho, O Bairro, de Gonçalo M. Tavares, querendo escrever a partir de senhores que dão nome aos livros, O Senhor Brecht, O Senhor Juarroz, O Senhor Calvino, O Senhor Kraus (já publicados no Brasil) e, a seguir, mais 34 destes. O que não deixa de ser uma forma de desaparecimento, a magnificência.
O novo trabalho de Leonardo Padura é uma celebração dos elementos que fazem de sua voz uma das mais proeminentes da literatura cubana nos últimos anos. Água por todos os lados apresenta ao leitor algumas das grandes paixões e inspirações de Padura, como a literatura, o beisebol, a cultura local e, de forma geral, sua terra natal: ?Sou um escritor cubano que vive e escreve em Cuba porque não posso e não quero ser outra coisa, porque (e sempre posso dizer que apesar dos mais diversos pesares) preciso de Cuba para viver e escrever?. Nas páginas dessa obra singular, o escritor nos apresenta um lado pessoal de seu processo de criação, revelando locais e tramas em que os personagens ganham vida, seus instrumentos de trabalho e suas inspirações: ?Entre uma obsessão abstrata, quase filosófica, e o complicado processo de escrever um romance, há um longo período, cheio de obstáculos e desafios?. Trata-se, então, de um relato brilhante de como transformar em material narrativo aquilo que no início se mostra apenas uma luz tênue na mente do autor e de como habilmente tecer isso com o vínculo de pertencimento mantido em relação a seu país. ?Quando me perguntam por que vivo e escrevo em Cuba, tenho diversas respostas possíveis a oferecer. Prefiro, porém, a mais simples: porque sou cubano e tenho um alto senso do que esse pertencimento significa.?
O japonês Yukio Mishima (1925-1970), considerado um dos mais importantes autores do século XX, viveu apenas 46 anos, quando, após liderar a rendição de um comandante, cometeu suicídio nas dependências do quartel militar de Tóquio, produzindo uma impressionante cena, digna de cinema. Foi quem teve o fim mais espetacular entre os mais notáveis colegas de ofício. Muitos tiraram a própria vida, mas Mishima desejava, antes de tudo, a simbologia da morte heroica. É esse sentimento rebelde e ritualístico que encontramos em seu conto Patriotismo, escrito em 1960 e reconhecido pelos críticos como uma obra-prima mundial. O foco da narrativa está no lado mundano da existência, mesclando beleza, intensidade e paixão. Em acontecimentos que se desenrolam durante três dias, com passagens de cunho autobiográfico, o escritor faz a descrição vívida de um ritual de haraquiri. Com atraente projeto gráfico, este box inclui, além do conto, o volume Quem são Mishimas?, perfil biográfico do autor japonês, escrito pelo especialista Victor Kinjo e enriquecido com uma bela seleção de fotos. Dentre outros aspectos importantes da vida de Mishima, Kinjo narra a temporada em que o autor esteve no Brasil, em São Paulo e no Rio, onde passou o Carnaval de 1952. A festa popular o marcou para sempre, influenciando, inclusive, a sua visão mais íntima da vida, como relata em seu diário de viagem.
"A maioria dos livros introdutórios sobre teoria ou análise literária comete o mesmo pecado capital: tentar normatizar e prender numa grade de critérios fixos algo que é de uma riqueza vastíssima, viva, subjetiva e variável, como são as grandes obras da literatura. Terry Eagleton, professor e crítico de larga experiência, autor de Teoria da literatura: uma introdução (até hoje uma das grandes referências na área), não incorre nesse erro. Em Como ler literatura, embora seja uma obra introdutória, vemos que o autor não apenas conhece muito bem sua matéria, como tem sensibilidade suficiente para não matar o objeto de estudo ao dissecá-lo. Sempre tratando a literatura como parte da cultura humana, Eagleton mostra a importância e a riqueza de se atentar, quando lemos, para aspectos como ritmo, sintaxe, alusões, ambiguidade, enredo, narrativa etc. ? que tanto podem acrescentar à nossa fruição. Shakespeare, Conrad, Nabokov, Dante Alighieri, Dickens, Jane Austen, Milton, Sófocles e J.K. Rowling são alguns dos autores frequentados, dos quais faz análises brilhantes e instigantes, sempre com a clareza que lhe é característica. Diferentemente de muitos críticos e acadêmicos, o autor não coloca a literatura canônica num pedestal inalcançável; antes, lança mão de elementos da cultura popular para melhor expor suas ideias. Neste texto ao mesmo tempo sofisticado e bem-humorado, temos a obra da maturidade de um grande crítico, de um grande pensador, que nos contagia com sua sabedoria humanista."
Especulativa por excelência, a pena de Lem (1921-2006) nunca se conformou a um só gênero de literatura, muito embora o autor de Solaris tenha feito fama na ficção científica. Muitas de suas obras, por outro lado, adotam uma via ensaística peculiar, que atravessa campos temáticos insólitos cultivados e defendidos por autores fictícios ? recurso muito ao gosto de Borges, mas também de Rabelais e de tantos outros que a erudição do leitor possa acrescer à lista. Em ambos os casos, o autor polonês se mantém persistente na tentativa de explicar nosso lugar num mundo que muitas vezes não parece ter um lugar ou fazer sentido (seria o universo um jogo?). Nova Cosmogonia e Outros Ensaios põe à disposição do leitor brasileiro uma antologia de textos, selecionados e traduzidos diretamente do polonês por Henryk Siewierski, representativa dessa busca que repensa a tecnologia, a ciência e mesmo a história, de modo a romper a barreira da comunicação ? entre pessoas, entre formas ? e questionar os limites da ficção e da gravidade, em todos os sentidos dos termos. Lem fala sério quando nos faz rir, e ri quando o levamos demasiadamente a sério.
O mais novo volume da coleçao As grandes ideias de todos os tempos é dedicado ao estudo das grandes obras e autores da literatura mundial. O livro da literatura é uma viagem pelas grandes obras da humanidade, desde a Ilíada r Paixao Segundo G. H., e explora os romances, os contos e as poesias mais importantes de cada época. A ediçao inclui alguns dos principais escritores brasileiros, como Machado de Assis, Guimaraes Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos e Clarice Lispector.
Hilda Hilst pede contato é o resultado do extenso trabalho de pesquisa da cineasta Gabriela Greeb sobre a escritora. O livro, que sai concomitantemente ao filme de mesmo nome da diretora, tem projeto gráfico de Mariane Klettenhofer e Artur Lescher e traz o storyboard (esboço ilustrado) e a partitura do filme, narra o processo de pesquisa e criação de Gabriela e tem como destaque trazer a tona, pela primeira vez, a transcrição de trechos selecionados das fitas que contêm as tentativas de Hilda de se comunicar com os mortos, experiência que fez durante os anos setenta, na busca de respostas sobre a finitude da vida e a eternidade da obra. Um mergulho profundo, inédito e imperdível no universo da poeta, cronista, dramaturga e ficcionista brasileira. O livro Hilda Hilst pede contato é um convite ao contato sensorial não apenas como metáfora. Por meio de um leitor de código QR é possível ?ouvir o livro?: o filme, sua trilha, as entrevistas e uma seleção de solilóquios de Hilda Hilst.
De Homero ao e-book A literatura ? formada pela tríade narrativa, lírica e drama ? é a um só tempo forma de expressão e arte; fruto de sua época e de gênios individuais; testemunho de momentos históricos e devaneio fantástico. Na literatura, tudo é possível: sereias, vampiros, um narrador morto ou um personagem que rejuvenesce à medida que o tempo passa. É, em última análise, a mente humana no auge de seu talento para expressar e interpretar o mundo ao nosso redor. Neste livro genial, o britânico John Sutherland aceitou o quase insano desafio de abordar, num volume curto e acessível, todo o espectro temporal da literatura, desde os tempos da mitologia transmitida de forma oral até os dias de hoje. E ? sorte nossa! ? a tarefa é desempenhada primorosamente. O autor segue (mais ou menos) cronologicamente não só os principais nomes e acontecimentos da literatura de língua inglesa, mas também da literatura universal. Assim, saímos das epopeias para em seguida passar pela tragédia na Grécia antiga, as formas literárias medievais, o advento da imprensa com Gutenberg, o teatro elisabetano e Shakespeare, por obras que prenunciavam o romance (Decameron, Gargântua e Pantagruel, Dom Quixote), a formação de um público leitor feminino que revolucionaria o mercado; a invenção dos direitos autorais; a literatura do século XX, com a experiência radical de duas guerras mundiais e seus reflexos (Woolf, Joyce, Kafka, Eliot; Beckett e o teatro do absurdo); o realismo mágico; as histórias em quadrinhos e a graphic novel. Sutherland não larga a pena ao chegar no século XX; trata de autores contemporâneos experimentais, do mercado editorial de hoje e suas premiações, de gêneros surgidos via internet, como a fanfiction, e dos caminhos que a literatura ainda poderá trilhar. Ao contrário do que se poderia esperar, Uma breve história da literatura é isento de dogmatismos: o autor não decreta o que o leitor deve ler; antes, mostra-se um entusiasta de que a literatura, esta multifacetada criação do gênio humano, seguirá ? na forma, no gênero e no suporte que for ? enriquecendo nossas breves existências.